A doutrina sagrada
Este curso visa expor a concepção de São Tomás de Aquino sobre doutrina sagrada, que será exposta em dez aulas, referentes a cada um dos dez artigos da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica.
Aula 1 – É necessária outra doutrina além das disciplinas filosóficas? (STh., I, q.1, a.1)
É investigado aqui o primeiro artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Neste artigo são expostos os dois motivos pelos quais há necessidade de uma doutrina além das disciplinas filosóficas. Primeiro, porque o ser humano se ordena a Deus como para um fim que está além da compreensão da razão humana. Assim, é necessário que o ser humano conheça esse fim ao qual se dirige, por isso é necessário que haja uma comunicação por parte de Deus, por revelação divina, para a salvação do ser humano. Segundo, o conhecimento sobre Deus seria, apenas pela razão humana, alcançado por poucas pessoas e depois de muito tempo e com muitos erros. Assim, era necessário que houvesse uma revelação por parte de Deus para auxiliar a razão humana sobre o conhecimento de Deus e para a salvação humana.
Textos:
“Era necessário existir para a salvação do homem, além das disciplinas filosóficas, que são pesquisadas pela razão humana, uma doutrina fundada na revelação divina. Primeiro, porque o homem está ordenado para Deus, como para um fim que ultrapassa a compreensão da razão, como diz Isaías: ‘O olho não viu, ó Deus, fora de ti, o que preparaste para aqueles que te amam.’ Ora, é preciso que o homem, que dirige suas intenções e suas ações para um fim, antes conheça este fim. Era, pois, necessário para a salvação do homem que estas coisas que ultrapassam sua razão lhe fossem comunicadas por revelação divina. Até mesmo com relação ao que a razão humana pode pesquisar a respeito de Deus, era preciso que o homem fosse também instruído por revelação divina. Com efeito, a verdade sobre Deus pesquisada pela razão humana chegaria apenas a um pequeno número, depois de muito tempo e cheia de erros. No entanto, do conhecimento desta verdade depende a salvação do homem, que se encontra em Deus. Assim, para que a salvação chegasse aos homens, com mais facilidade e maior garantia, era necessário que eles fossem instruídos a respeito de Deus por uma revelação divina. Portanto, além das disciplinas filosóficas, que são pesquisadas pela razão, era necessária uma doutrina sagrada, tida por revelação.” (STh., I, q.1, a.1, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Respondeo dicendum quod necessarium fuit ad humanam salutem, esse doctrinam quandam secundum revelationem divinam, praeter philosophicas disciplinas, quae ratione humana investigantur. Primo quidem, quia homo ordinatur ad Deum sicut ad quendam finem qui comprehensionem rationis excedit, secundum illud Isaiae LXIV, oculus non vidit Deus absque te, quae praeparasti diligentibus te. Finem autem oportet esse praecognitum hominibus, qui suas intentiones et actiones debent ordinare in finem. Unde necessarium fuit homini ad salutem, quod ei nota fierent quaedam per revelationem divinam, quae rationem humanam excedunt. Ad ea etiam quae de Deo ratione humana investigari possunt, necessarium fuit hominem instrui revelatione divina. Quia veritas de Deo, per rationem investigata, a paucis, et per longum tempus, et cum admixtione multorum errorum, homini proveniret, a cuius tamen veritatis cognitione dependet tota hominis salus, quae in Deo est. Ut igitur salus hominibus et convenientius et certius proveniat, necessarium fuit quod de divinis per divinam revelationem instruantur. Necessarium igitur fuit, praeter philosophicas disciplinas, quae per rationem investigantur, sacram doctrinam per revelationem haberi.” (STh., I, q.1, a.1, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 2 – A doutrina sagrada é uma ciência? (STh., I, q.1, a.2)
É investigado aqui o segundo artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Neste artigo é exposto que a doutrina sagrada é uma ciência. Para esclarecer isso, mostra-se que há dois tipos de ciência, aquelas que procedem dos princípios conhecidos pela luz natural do intelecto e aquelas que procedem de princípios conhecidos pela luz de uma ciência superior. E se afirma que a doutrina sagrada é do segundo tipo, pois procede dos princípios que são conhecidos pela luz da ciência de Deus e dos bem-aventurados.
Textos:
“A doutrina sagrada é ciência. Mas existem dois tipos de ciência. Algumas procedem de princípios que são conhecidos à luz natural do intelecto, como a aritmética, a geometria etc. Outras procedem de princípios conhecidos à luz de uma ciência superior: tais como a perspectiva, que se apoia nos princípios tomados à geometria; e a música, nos princípios elucidados pela aritmética. É desse modo que a doutrina sagrada é ciência; ela procede de princípios conhecidos à luz de uma ciência superior, a saber, da ciência de Deus e dos bem-aventurados. E como a música aceita os princípios que lhe são passados pelo aritmético, assim também a doutrina sagrada aceita os princípios revelados por Deus.” (STh., I, q.1, a.2, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed.2003.
“Respondeo dicendum sacram doctrinam esse scientiam. Sed sciendum est quod duplex est scientiarum genus. Quaedam enim sunt, quae procedunt ex principiis notis lumine naturali intellectus, sicut arithmetica, geometria, et huiusmodi. Quaedam vero sunt, quae procedunt ex principiis notis lumine superioris scientiae, sicut perspectiva procedit ex principiis notificatis per geometriam, et musica ex principiis per arithmeticam notis. Et hoc modo sacra doctrina est scientia, quia procedit ex principiis notis lumine superioris scientiae, quae scilicet est scientia Dei et beatorum. Unde sicut musica credit principia tradita sibi ab arithmetico, ita doctrina sacra credit principia revelata sibi a Deo.” (STh., I, q.1, a.2, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 3 – A doutrina sagrada é uma ciência una? (STh., I, q.1, a.3)
É investigado aqui o terceiro artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Neste artigo é exposto que a doutrina sagrada é uma ciência una. Tal unidade se dá em função da sua razão formal, pois a doutrina sagrada considera certas coisas enquanto são reveladas por Deus.
Textos:
“A doutrina sagrada é uma ciência una. A unidade de uma potência, ou de um hábito (habitus), vem-lhe de seu objeto; não de seu objeto considerado em sua materialidade, mas em sua razão formal: o homem, o burro, a pedra, por exemplo, encontram-se sob a única razão forma da cor, que é o objeto da vista. Assim, porque a Escritura sagrada considera algumas coisas enquanto reveladas por Deus, conforme foi dito, tudo o que é cognoscível por revelação divina tem em comum a única razão formal do objeto desta ciência. Por isso mesmo tudo isso se encontra compreendido na doutrina sagrada como em uma ciência una.” (STh., I, q.1, a.3, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Respondeo dicendum sacram doctrinam unam scientiam esse. Est enim unitas potentiae et habitus consideranda secundum obiectum, non quidem materialiter, sed secundum rationem formalem obiecti, puta homo, asinus et lapis conveniunt in una formali ratione colorati, quod est obiectum visus. Quia igitur sacra Scriptura considerat aliqua secundum quod sunt divinitus revelata, secundum quod dictum est, omnia quaecumque sunt divinitus revelabilia, communicant in una ratione formali obiecti huius scientiae. Et ideo comprehenduntur sub sacra doctrina sicut sub scientia una.” (STh., I, q.1, a.3, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
“Deve-se dizer que a doutrina sagrada não trata de Deus e das criaturas no mesmo modo; de Deus em primeiro lugar, e das criaturas enquanto se referem a Deus: seja como princípio delas, seja como fim. Portanto, a unidade da ciência não fica prejudicada.” (STh., I, q.1, a.3, sol.1)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Ad primum ergo dicendum quod sacra doctrina non determinat de Deo et de creaturis ex aequo, sed de Deo principaliter, et de creaturis secundum quod referuntur ad Deum, ut ad principium vel finem. Unde unitas scientiae non impeditur.” (STh., I, q.1, a.3, sol.1) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 4 – A doutrina sagrada é uma ciência prática? (STh., I, q.1, a.4)
É investigado aqui o terceiro artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Neste artigo é exposto que a doutrina sagrada é uma ciência una. Tal unidade se dá em função da sua razão formal, pois a doutrina sagrada considera certas coisas enquanto são reveladas por Deus.
Textos:
“Toda ciência prática se refere a obras que podem ser praticadas pelo homem: por exemplo, a moral se refere aos atos humanos; a arquitetura, às construções. Ora, a doutrina sagrada trata em primeiro lugar de Deus, de quem os homens são a obra maior. Ela não é, portanto, uma ciência prática, mas sobretudo especulativa.” (STh., I, q.1, a.4, s.c.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Sed contra, omnis scientia practica est de rebus operabilibus ab homine; ut moralis de actibus hominum, et aedificativa de aedificiis. Sacra autem doctrina est principaliter de Deo, cuius magis homines sunt opera. Non ergo est scientia practica, sed magis speculativa.” (STh., I, q.1, a.4, s.c.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
“Respondo. Como foi dito, a doutrina sagrada, sendo una, se estende àquelas coisas que pertencem a ciências filosóficas diversas, por causa da razão formal, que nela se aplica, a saber, enquanto são cognoscíveis à luz divina. Embora entre as ciências filosóficas, umas sejam especulativas e outras práticas, a doutrina sagrada, porém, compreenderá em si, uma e outra; assim como Deus, por uma mesma ciência, conhece a si próprio e conhece suas obras. No entanto, a ciência sagrada é mais especulativa do que prática, porque se refere mais às coisas divinas do que aos atos humanos. Ela considera estes últimos enquanto, por eles, o homem é ordenado ao pleno conhecimento de Deus, no qual consiste a bem-aventurança eterna.” (STh., I, q.1, a.4, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Respondeo dicendum quod sacra doctrina, ut dictum est, una existens, se extendit ad ea quae pertinent ad diversas scientias philosophicas, propter rationem formalem quam in diversis attendit, scilicet prout sunt divino lumine cognoscibilia. Unde licet in scientiis philosophicis alia sit speculativa et alia practica, sacra tamen doctrina comprehendit sub se utramque; sicut et Deus eadem scientia se cognoscit, et ea quae facit. Magis tamen est speculativa quam practica, quia principalius agit de rebus divinis quam de actibus humanis; de quibus agit secundum quod per eos ordinatur homo ad perfectam Dei cognitionem, in qua aeterna beatitudo consistit.” (STh., I, q.1, a.4, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 5 – A doutrina sagrada é mais excelente do que outras ciências? (STh., I, q.1, a.5)
É investigado aqui o terceiro artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Neste artigo é exposto que a doutrina sagrada é uma ciência una. Tal unidade se dá em função da sua razão formal, pois a doutrina sagrada considera certas coisas enquanto são reveladas por Deus.
Textos:
“Como esta ciência é a um só tempo especulativa e prática, ultrapassa todas as outras, tanto as especulativas como as práticas. Entre as ciências especulativas deve-se considerar como a mais excelente aquela que é mais certa ou a que tem a matéria mais excelente. Ora, sob esse duplo aspecto, a doutrina sagrada supera as outras ciências especulativas. É a mais certa, porque as outras recebem sua certeza da luz natural da razão humana, que pode errar; ao passo que ela recebe a sua da luz da ciência divina, que não pode enganar-se. E ela tem a matéria mais excelente, pois se refere principalmente ao que, por sua sublimidade, ultrapassa a razão, ao passo que as outras disciplinas consideram apenas o que está sujeito à razão. Entre as ciências práticas, a mais excelente é a que está ordenada a um fim mais alto como acontece com a política em relação à arte militar, pois o bem do exército está ordenado ao bem da cidade. Ora, o fim desta doutrina, como prática, é a bem-aventurança eterna, à qual se ordenam todos os outros fins das ciências práticas. Portanto, é claro que sob qualquer dos ângulos, a ciência sagrada é a mais excelente.” (STh., I, q.1, a.5, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
Respondeo dicendum quod, cum ista scientia quantum ad aliquid sit speculativa, et quantum ad aliquid sit practica, omnes alias transcendit tam speculativas quam practicas. Speculativarum enim scientiarum una altera dignior dicitur, tum propter certitudinem, tum propter dignitatem materiae. Et quantum ad utrumque, haec scientia alias speculativas scientias excedit. Secundum certitudinem quidem, quia aliae scientiae certitudinem habent ex naturali lumine rationis humanae, quae potest errare, haec autem certitudinem habet ex lumine divinae scientiae, quae decipi non potest. Secundum dignitatem vero materiae, quia ista scientia est principaliter de his quae sua altitudine rationem transcendunt, aliae vero scientiae considerant ea tantum quae rationi subduntur. Practicarum vero scientiarum illa dignior est, quae ad ulteriorem finem ordinatur, sicut civilis militari, nam bonum exercitus ad bonum civitatis ordinatur. Finis autem huius doctrinae inquantum est practica, est beatitudo aeterna, ad quam sicut ad ultimum finem ordinantur omnes alii fines scientiarum practicarum. Unde manifestum est, secundum omnem modum, eam digniorem esse aliis.” (STh., I, q.1, a.5, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
“Deve-se dizer que nada impede que aquilo que é mais certo por sua natureza seja para nós menos certo, devido à fraqueza de nosso intelecto, que se encontra, como se diz no livro II da Metafísica, ‘diante das mais altas evidências das coisas como o olhar da coruja em face da luz do Sol’. A dúvida que pode surgir em alguns a respeito dos artigos de fé não deve ser atribuída à incerteza das coisas, mas à fraqueza do intelecto humano. Apesar disso, o menor conhecimento relativo às coisas mais elevadas é mais desejável do que uma ciência muito certa das coisas menores, como se diz no livro I Sobre os animais.” (STh., I, q.1, a.5, sol.1)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Ad primum ergo dicendum quod nihil prohibet id quod est certius secundum naturam, esse quoad nos minus certum, propter debilitatem intellectus nostri, qui se habet ad manifestissima naturae, sicut oculus noctuae ad lumen solis, sicut dicitur in II Metaphys. Unde dubitatio quae accidit in aliquibus circa articulos fidei, non est propter incertitudinem rei, sed propter debilitatem intellectus humani. Et tamen minimum quod potest haberi de cognitione rerum altissimarum, desiderabilius est quam certissima cognitio quae habetur de minimis rebus, ut dicitur in XI de animalibus.” (STh., I, q.1, a.5, sol.1) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 6 – A doutrina sagrada é uma sabedoria? (STh., I, q.1, a.6)
É investigado aqui o sexto artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Afirma-se que, em relação às sabedorias humanas, a doutrina sagrada é a sabedoria por excelência. Assim, distingue-se que compete ao sábio ordenar e julgar, de modo que o julgamento das coisas inferiores seja feito com base nas coisas superiores. E como a doutrina sagrada considera propriamente Deus enquanto causa suprema, com base na revelação divina e com o auxílio do conhecimento filosófico, ela é a sabedoria suprema, pois ordena e julga as coisas inferiores, fundamentada no que há de mais superior.
Textos:
“Esta doutrina é, por excelência, uma sabedoria, entre todas as sabedorias humanas. E isto não apenas num gênero particular, mas de modo absoluto. Compete ao sábio ordenar e julgar; o julgamento de coisas inferiores se faz mediante uma causa mais elevada; assim, sábio em qualquer gênero é aquele que toma em consideração a causa suprema desse gênero. Por exemplo, no gênero da construção, o artífice que preparou os planos da casa merece o título de sábio e de arquiteto, em relação aos técnicos inferiores incumbidos da talha das pedras ou do corte das madeiras. Eis por que se diz na primeira Carta aos Coríntios: ‘… como bom arquiteto lancei o fundamento’ (1 Cor 3,10). Tratando-se da vida humana em seu conjunto, o homem prudente será chamado sábio quando ordenar os atos humanos ao devido fim; como se diz no livro dos Provérbios (Pr 10, 23): ‘a sabedoria é prudência para o homem’. Por conseguinte, quem considera simplesmente a causa suprema de todo universo, que é Deus, merece por excelência o nome de sábio. Eis por que, como se vê em Agostinho, a sabedoria é chamada o conhecimento das coisas divinas. Ora, a doutrina sagrada trata muito propriamente de Deus enquanto causa suprema; a saber, não somente do que se pode saber por intermédio das criaturas, e que os filósofos alcançaram, ‘… pois o que se pode conhecer de Deus é para eles manifesto’, diz o Apóstolo na Carta aos Romanos (Rm 1, 19); mas também do que só Deus conhece de si mesmo, e que é comunicado aos outros por revelação. Assim, a doutrina sagrada merece por excelência o nome de sabedoria.” (STh., I, q.1, a.6, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Respondeo dicendum quod haec doctrina maxime sapientia est inter omnes sapientias humanas, non quidem in aliquo genere tantum, sed simpliciter. Cum enim sapientis sit ordinare et iudicare, iudicium autem per altiorem causam de inferioribus habeatur; ille sapiens dicitur in unoquoque genere, qui considerat causam altissimam illius generis. Ut in genere aedificii, artifex qui disponit formam domus, dicitur sapiens et architector, respectu inferiorum artificum, qui dolant ligna vel parant lapides, unde dicitur I Cor. III, ut sapiens architector fundamentum posui. Et rursus, in genere totius humanae vitae, prudens sapiens dicitur, inquantum ordinat humanos actus ad debitum finem, unde dicitur Prov. X, sapientia est viro prudentia. Ille igitur qui considerat simpliciter altissimam causam totius universi, quae Deus est, maxime sapiens dicitur, unde et sapientia dicitur esse divinorum cognitio, ut patet per Augustinum, XII de Trinitate. Sacra autem doctrina propriissime determinat de Deo secundum quod est altissima causa, quia non solum quantum ad illud quod est per creaturas cognoscibile (quod philosophi cognoverunt, ut dicitur Rom. I, quod notum est Dei, manifestum est illis); sed etiam quantum ad id quod notum est sibi soli de seipso, et aliis per revelationem communicatum. Unde sacra doctrina maxime dicitur sapientia.” (STh., I, q.1, a.6, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
“Ora, o conhecimento próprio à nossa ciência é obtido por revelação e não pela razão natural. Por conseguinte, não pertence à doutrina sagrada estabelecer os princípios das outras ciências, mas apenas julgá-los. Tudo o que nessas ciências se encontrar como contrário à verdade da ciência sagrada deve ser condenado como falso, conforme se diz na segunda Carta aos Coríntios (2 Cor 10, 4s): ‘Nós destruímos os raciocínios pretensiosos e todo o poder altivo que se ergue contra o conhecimento de Deus'”. (STh., I, q.1, a.6, sol.2)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Ad secundum dicendum quod aliarum scientiarum principia vel sunt per se nota, et probari non possunt, vel per aliquam rationem naturalem probantur in aliqua alia scientia. Propria autem huius scientiae cognitio est, quae est per revelationem, non autem quae est per naturalem rationem. Et ideo non pertinet ad eam probare principia aliarum scientiarum, sed solum iudicare de eis, quidquid enim in aliis scientiis invenitur veritati huius scientiae repugnans, totum condemnatur ut falsum, unde dicitur II Cor. X, consilia destruentes, et omnem altitudinem extollentem se adversus scientiam Dei.” (STh., I, q.1, a.6, sol.2) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 7 – Deus é o assunto da doutrina sagrada? (STh., I, q.1, a.7)
É investigado aqui o sétimo artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Neste artigo, explica-se que Deus é o assunto da doutrina sagrada. Assim, esta trata do próprio Deus ou das coisas enquanto se referem a Ele, sob uma única razão, sob a razão de Deus.
Textos:
“Deus é o assunto desta ciência. Entre o assunto de uma ciência e a própria ciência, existe a mesma relação que entre o objeto e uma potência ou um hábito. Ora, designa-se propriamente como objeto de uma potência ou de um hábito aquilo sob cuja razão todas as coisas se referem a esta potência ou a este hábito. Por exemplo, o homem e a pedra se referem à vista como coloridos: uma vez que a cor é o objeto próprio da vista. Ora, na doutrina sagrada, tudo é tratado sob a razão de Deus, ou porque se trata do próprio Deus ou de algo que a Ele se refere como a seu princípio ou a seu fim. Segue-se então que Deus é verdadeiramente o assunto desta ciência. O que aliás também se manifesta pelos princípios desta ciência: os artigos da fé, que se referem a Deus. Ora, o assunto dos princípios e da totalidade da ciência é o mesmo, pois a ciência está contida virtualmente em seus princípios. Alguns, no entanto, considerando as coisas de que trata esta ciência, e não a razão sob a qual as examina, indicaram seu assunto de modo diferente. Falam de ‘coisas’ e de ‘sinais’; ou ‘das obras da reparação’, ou do ‘Cristo total’, isto é, a cabeça e os membros. Tudo isso é tratado nesta ciência, mas sempre com relação a Deus.” (STh., I, q.1, a.7, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Respondeo dicendum quod Deus est subiectum huius scientiae. Sic enim se habet subiectum ad scientiam, sicut obiectum ad potentiam vel habitum. Proprie autem illud assignatur obiectum alicuius potentiae vel habitus, sub cuius ratione omnia referuntur ad potentiam vel habitum, sicut homo et lapis referuntur ad visum inquantum sunt colorata, unde coloratum est proprium obiectum visus. Omnia autem pertractantur in sacra doctrina sub ratione Dei, vel quia sunt ipse Deus; vel quia habent ordinem ad Deum, ut ad principium et finem. Unde sequitur quod Deus vere sit subiectum huius scientiae. Quod etiam manifestum fit ex principiis huius scientiae, quae sunt articuli fidei, quae est de Deo, idem autem est subiectum principiorum et totius scientiae, cum tota scientia virtute contineatur in principiis. Quidam vero, attendentes ad ea quae in ista scientia tractantur, et non ad rationem secundum quam considerantur, assignaverunt aliter subiectum huius scientiae, vel res et signa; vel opera reparationis; vel totum Christum, idest caput et membra. De omnibus enim istis tractatur in ista scientia, sed secundum ordinem ad Deum.” (STh., I, q.1, a.7, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 8 – A doutrina sagrada se utiliza de argumentos? (STh., I, q.1, a.8)
É investigado aqui o terceiro artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Afirma-se que a doutrina sagrada não utiliza argumentos para provar os seus princípios, porém parte desses princípios para manifestar outra verdade. Além disso, a resposta ao segundo argumento deste artigo esclarece os modos pelos quais a doutrina sagrada se utiliza das autoridades e da razão humana.
Textos:
“As outras ciências não argumentam em vista de demonstrar seus princípios, mas para demonstrar a partir deles outras verdades de seu campo. Assim também a doutrina sagrada não se vale da argumentação para provar seus próprios princípios, as verdades da fé; mas parte deles para manifestar alguma outra verdade, como o Apóstolo, na primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 15, 12ss), se apoia na ressurreição de Cristo para provar a ressurreição geral. Contudo, é preciso considerar que nas ciências filosóficas, as ciências inferiores não somente não provam seus princípios, como também não disputam contra aqueles que os negam, deixando esse cuidado a uma ciência mais elevada. Pelo contrário, a metafísica, a mais elevada de todas, disputa com quem nega seus princípios, desde que este conceda algo; e se não concede nada, ela não pode discutir com ele, mas pode refutar seus argumentos. A Sagrada Escritura, por conseguinte, não tendo outra que lhe seja superior, terá de disputar com quem nega seus princípios. Ela o fará valendo-se da argumentação, se o adversário concede algo da revelação divina; como quando invocando as ‘autoridades’ da doutrina sagrada disputamos contra hereges, e artigos de fé para combater os que negam outro artigo. Mas se o adversário não acredita em nada das verdades reveladas, não resta nenhum modo de provar com argumentos os artigos de fé: pode-se apenas refutar os argumentos que oporia à fé. Como a fé se apoia na verdade infalível, e é impossível demonstrar o contrário do verdadeiro, fica claro que as provas trazidas contra a fé não são verdadeiras demonstrações, mas argumentos que se podem refutar.” (STh., I, q.1, a.8, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
Respondeo dicendum quod, sicut aliae scientiae non argumentantur ad sua principia probanda, sed ex principiis argumentantur ad ostendendum alia in ipsis scientiis; ita haec doctrina non argumentatur ad sua principia probanda, quae sunt articuli fidei; sed ex eis procedit ad aliquid aliud ostendendum; sicut apostolus, I ad Cor. XV, ex resurrectione Christi argumentatur ad resurrectionem communem probandam. Sed tamen considerandum est in scientiis philosophicis, quod inferiores scientiae nec probant sua principia, nec contra negantem principia disputant, sed hoc relinquunt superiori scientiae, suprema vero inter eas, scilicet metaphysica, disputat contra negantem sua principia, si adversarius aliquid concedit, si autem nihil concedit, non potest cum eo disputare, potest tamen solvere rationes ipsius. Unde sacra Scriptura, cum non habeat superiorem, disputat cum negante sua principia, argumentando quidem, si adversarius aliquid concedat eorum quae per divinam revelationem habentur; sicut per auctoritates sacrae doctrinae disputamus contra haereticos, et per unum articulum contra negantes alium. Si vero adversarius nihil credat eorum quae divinitus revelantur, non remanet amplius via ad probandum articulos fidei per rationes, sed ad solvendum rationes, si quas inducit, contra fidem. Cum enim fides infallibili veritati innitatur, impossibile autem sit de vero demonstrari contrarium, manifestum est probationes quae contra fidem inducuntur, non esse demonstrationes, sed solubilia argumenta.” (STh., I, q.1, a.8, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
“Deve-se afirmar que é muito próprio desta doutrina usar argumentos de autoridade, pois os princípios da doutrina sagrada vêm da revelação. Assim, deve-se acreditar na autoridade daqueles pelos quais a revelação se realizou. Isso, porém, não derroga sua dignidade, porque se o argumento de autoridade fundado sobre a razão humana é o mais fraco de todos, o que está fundado sobre a revelação divina é o mais eficaz de todos. No entanto, a doutrina sagrada utiliza também a razão humana, não para provar a fé, o que lhe tiraria o mérito, mas para iluminar alguns outros pontos que esta doutrina ensina. Como a graça não suprime a natureza, mas a aperfeiçoa, convém que a razão natural sirva à fé, assim como a inclinação natural da vontade obedece à caridade. Como diz o Apóstolo na segunda Carta aos Coríntios (2 Cor 10,5): ‘Submetemos todo pensamento à obediência de Cristo’. Assim, a doutrina sagrada usa também da autoridade dos filósofos quando, por sua razão natural, puderam atingir a verdade. Paulo, nos atos, refere esta sentença de Arato (At. 17, 28): ‘…como disseram alguns de vossos poetas: pois somos de sua raça’. Contudo, a doutrina sagrada se vale de tais autoridades como argumentos estranhos e com valor de probabilidade. Quando utiliza os argumento de autoridade da Escritura canônica, ela o faz com propriedade, tendo em conta a necessidade de argumentar. Quanto à autoridade dos outros doutores da Igreja, se vale dela como argumento próprio, mas provável. É que nossa fé repousa sobre a revelação feita aos Apóstolos e aos Profetas, que escreveram os livros canônicos, e não sobre outras revelações, se é que existem, feitas a outros doutores. Eis por que, escrevendo a Jerônimo, Agostinho declara: ‘Somente aos livros das Escrituras chamados canônicos atribuo a honra de crer, com toda a firmeza, serem seus escritores incapazes de errar em seus escritos. Os outros, se os leio, não é porque pensaram ou escreveram algo, que eu o considero verdadeiro, por mais eminentes que sejam quanto à santidade de doutrina.'” (STh., I, q.1, a.8, sol.2)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Ad secundum dicendum quod argumentari ex auctoritate est maxime proprium huius doctrinae, eo quod principia huius doctrinae per revelationem habentur, et sic oportet quod credatur auctoritati eorum quibus revelatio facta est. Nec hoc derogat dignitati huius doctrinae, nam licet locus ab auctoritate quae fundatur super ratione humana, sit infirmissimus; locus tamen ab auctoritate quae fundatur super revelatione divina, est efficacissimus. Utitur tamen sacra doctrina etiam ratione humana, non quidem ad probandum fidem, quia per hoc tolleretur meritum fidei; sed ad manifestandum aliqua alia quae traduntur in hac doctrina. Cum enim gratia non tollat naturam, sed perficiat, oportet quod naturalis ratio subserviat fidei; sicut et naturalis inclinatio voluntatis obsequitur caritati. Unde et apostolus dicit, II ad Cor. X, in captivitatem redigentes omnem intellectum in obsequium Christi. Et inde est quod etiam auctoritatibus philosophorum sacra doctrina utitur, ubi per rationem naturalem veritatem cognoscere potuerunt; sicut Paulus, actuum XVII, inducit verbum Arati, dicens, sicut et quidam poetarum vestrorum dixerunt, genus Dei sumus. Sed tamen sacra doctrina huiusmodi auctoritatibus utitur quasi extraneis argumentis, et probabilibus. Auctoritatibus autem canonicae Scripturae utitur proprie, ex necessitate argumentando. Auctoritatibus autem aliorum doctorum Ecclesiae, quasi arguendo ex propriis, sed probabiliter. Innititur enim fides nostra revelationi apostolis et prophetis factae, qui canonicos libros scripserunt, non autem revelationi, si qua fuit aliis doctoribus facta. Unde dicit Augustinus, in epistola ad Hieronymum, solis eis Scripturarum libris qui canonici appellantur, didici hunc honorem deferre, ut nullum auctorem eorum in scribendo errasse aliquid firmissime credam. Alios autem ita lego, ut, quantalibet sanctitate doctrinaque praepolleant, non ideo verum putem, quod ipsi ita senserunt vel scripserunt.” (STh., I, q.1, a.8, sol.2) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 9 – A sagrada escritura deve se utilizar de metáforas? (STh., I, q.1, a.9)
É investigado aqui o nono artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Neste artigo, afirma-se que a sagrada escritura deve se utilizar de metáforas. Isso convém por dois motivos: o primeiro, porque é natural que o homem se eleve ao inteligível pelo sensível, e Deus provê as coisas segundo o que compete à natureza delas; o segundo, para que as pessoas mais simples entendam as coisas inteligíveis.
Textos:
“Deus diz em Oséias (12,10): ‘Falarei aos profetas e multiplicarei as visões, e pelos profetas falarei em parábolas’. Ora, apresentar uma verdade mediante imagens é usar metáforas. Logo, convém à doutrina sagrada empregar metáforas.” (STh., I, q.1, a.9, s.c.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Sed contra est quod dicitur Osee XII, ego visionem multiplicavi eis, et in manibus prophetarum assimilatus sum. Tradere autem aliquid sub similitudine, est metaphoricum. Ergo ad sacram doctrinam pertinet uti metaphoris.” (STh., I, q.1, a.9, s.c.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
“Convém à Sagrada Escritura nos transmitir as coisas divinas e espirituais, mediante imagens corporais. Deus provê a tudo de acordo com a natureza de cada um. Ora, é natural ao homem elevar-se ao inteligível pelo sensível, porque todo o nosso conhecimento se origina a partir dos sentidos. É, então, conveniente que na Escritura Sagrada as realidades espirituais nos sejam transmitidas por meio de metáforas corporais. É o que diz Dionísio: ‘O raio da luz divina só pode refulgir para nós envolvido na diversidade dos véus sagrados’. Além do mais, a Escritura sendo proposta geralmente a todos, segundo se diz na Carta aos Romanos (1, 14): ‘Sou devedor… às pessoas cultas como às ignorantes’, é-lhe conveniente apresentar as realidades espirituais mediante imagens corporais, a fim de que as pessoas simples as compreendam; elas que não estão aptas a apreender por si mesmas as realidades inteligíveis.” (STh., I, q.1, a.9, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Respondeo dicendum quod conveniens est sacrae Scripturae divina et spiritualia sub similitudine corporalium tradere. Deus enim omnibus providet secundum quod competit eorum naturae. Est autem naturale homini ut per sensibilia ad intelligibilia veniat, quia omnis nostra cognitio a sensu initium habet. Unde convenienter in sacra Scriptura traduntur nobis spiritualia sub metaphoris corporalium. Et hoc est quod dicit Dionysius, I cap. caelestis hierarchiae, impossibile est nobis aliter lucere divinum radium, nisi varietate sacrorum velaminum circumvelatum. Convenit etiam sacrae Scripturae, quae communiter omnibus proponitur (secundum illud ad Rom. I, sapientibus et insipientibus debitor sum), ut spiritualia sub similitudinibus corporalium proponantur; ut saltem vel sic rudes eam capiant, qui ad intelligibilia secundum se capienda non sunt idonei.” (STh., I, q.1, a.9, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
Aula 10 – O texto da sagrada escritura tem muitos sentidos? (STh., I, q.1, a.10)
É investigado aqui o décimo artigo da primeira questão da primeira parte da Suma Teológica. Afirma-se que Deus intenta expressar o sentido literal na Bíblia, mas que não há inconveniente em encontrar vários sentidos em um único texto, em conformidade com o sentido literal. Além disso, há o sentido espiritual, pelo qual as coisas significadas pelas palavras também significam outras coisas. Esse sentido se funda no sentido literal e o pressupõe; e é dividido em três sentidos: o alegórico, o moral e o anagógico. Além disso, na resposta ao terceiro argumento explica-se melhor o sentido literal, pois este pode indicar ou o sentido próprio, ou o figurado.
Textos:
“O autor da Escritura Sagrada é Deus. Está em seu poder, para significar algo, empregar não somente palavras, o que o homem pode também fazer, mas igualmente as próprias coisas. Assim, em todas as ciências as palavras são portadoras de significação, mas a Escritura Sagrada tem como próprio que as mesmas coisas significadas pelas palavras significam algo por sua vez. A primeira significação, segundo a qual as palavras designam certas coisas, corresponde ao primeiro sentido, que é o sentido histórico ou literal. A significação pela qual as coisas significadas pelas palavras designam ainda outras coisas é o chamado sentido espiritual, que está fundado no sentido literal e o pressupõe. Por sua vez, o sentido espiritual se divide em três sentidos diferentes. Com efeito, diz o Apóstolo, na Carta aos Hebreus (7, 19), que a lei antiga é uma figura da lei nova; e a própria lei nova, acrescenta Dionísio, é uma figura da glória futura; além do mais, na lei nova o que se cumpriu na cabeça é figura do que devemos fazer. Por conseguinte, quando as realidades da lei antiga significam as da lei nova, temos o sentido alegórico; quando as coisas realizadas no Cristo, ou naquilo que Cristo representa, são o sinal do que devemos fazer, temos o sentido moral; enfim, quando estas mesmas coisas significam o que existe na glória eterna, temos o sentido anagógico. Como, por outro lado, o sentido literal é aquele que o autor quer significar, e o autor da Escritura Sagrada é Deus, que compreende simultaneamente todas as coisas em seu intelecto, não há inconveniente em dizer, segundo Agostinho, que, de acordo com o sentido literal, mesmo num único texto da Escritura encontram-se vários sentidos.” (STh., I, q.1, a.10, resp.)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Respondeo dicendum quod auctor sacrae Scripturae est Deus, in cuius potestate est ut non solum voces ad significandum accommodet (quod etiam homo facere potest), sed etiam res ipsas. Et ideo, cum in omnibus scientiis voces significent, hoc habet proprium ista scientia, quod ipsae res significatae per voces, etiam significant aliquid. Illa ergo prima significatio, qua voces significant res, pertinet ad primum sensum, qui est sensus historicus vel litteralis. Illa vero significatio qua res significatae per voces, iterum res alias significant, dicitur sensus spiritualis; qui super litteralem fundatur, et eum supponit. Hic autem sensus spiritualis trifariam dividitur. Sicut enim dicit apostolus, ad Hebr. VII, lex vetus figura est novae legis, et ipsa nova lex, ut dicit Dionysius in ecclesiastica hierarchia, est figura futurae gloriae, in nova etiam lege, ea quae in capite sunt gesta, sunt signa eorum quae nos agere debemus. Secundum ergo quod ea quae sunt veteris legis, significant ea quae sunt novae legis, est sensus allegoricus, secundum vero quod ea quae in Christo sunt facta, vel in his quae Christum significant, sunt signa eorum quae nos agere debemus, est sensus moralis, prout vero significant ea quae sunt in aeterna gloria, est sensus anagogicus. Quia vero sensus litteralis est, quem auctor intendit, auctor autem sacrae Scripturae Deus est, qui omnia simul suo intellectu comprehendit, non est inconveniens, ut dicit Augustinus XII confessionum, si etiam secundum litteralem sensum in una littera Scripturae plures sint sensus.” (STh., I, q.1, a.10, resp.) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html
“Deve-se dizer que o sentido parabólico está incluído no sentido literal; porque pelas palavras podemos significar algo no sentido próprio e algo em sentido figurado; e, nesse caso, o sentido literal não designa a própria imagem, mas o que ela representa. Quando a Escritura fala do braço de Deus, o sentido literal não indica a existência de um membro corporal em Deus, mas o que é significado por esse membro, isto é, o poder de operar. Isto deixa bem claro que, no sentido literal da Escritura, nunca pode haver falsidade.” (STh., I, q.1, a.10, sol.3)
Livro citado: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica – volume 1. São Paulo: Loyola. 2ªed. 2003.
“Ad tertium dicendum quod sensus parabolicus sub litterali continetur, nam per voces significatur aliquid proprie, et aliquid figurative; nec est litteralis sensus ipsa figura, sed id quod est figuratum. Non enim cum Scriptura nominat Dei brachium, est litteralis sensus quod in Deo sit membrum huiusmodi corporale, sed id quod per hoc membrum significatur, scilicet virtus operativa. In quo patet quod sensui litterali sacrae Scripturae nunquam potest subesse falsum.” (STh., I, q.1, a.10, sol.3) Texto do site: http://www.corpusthomisticum.org/sth1001.html